segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

"A Balada do Anjo Caído"

Deixe-me lhe dizer que existe um lugar bom longe daqui. Lá,sua alma jamais pesará mais do que seu corpo. E seu corpo pesará não mais do que como uma pluma. Nós não precisamos sangrar para saber que estamos vivos. A água corre de um lado a outro de tudo que você possa ver, e ela não queima você por dentro e nem se mistura com o sangue que cobre o nosso mundo, essa realidade tão obscura e diferente desse lugar ideal. Ao norte de lugar algum, entre os campos e as planícies, eu lhe digo, filho, essa terra existe. A colheita é farta. Os homens são irmãos, não guerreiam uns com os outros. Os pais não batizam seus filhos com sangue e fogo, os batizam com amor e zelo. Homens e mulheres se amam em igual medida. Estive lá durante muito tempo, sentado debaixo de um imenso cipreste, dedilhando minha guitarra e fazendo minhas palavras ecoarem para longe, para muito longe, tentando fazer com que o povo de fora soubesse que existe um lugar bom longe daqui. Como um bardo. Como um menestrel. Trovando. Mas não houve êxito. Já não sei quanto tempo faz que eu saí do meu refúgio. Semanas, meses, talvez até anos, filho, eu realmente não sei. Estive vagando durante muito tempo, estive procurando, procurando por algo que nunca soube bem o que era, mas sempre segui por algum lugar em busca de algo, pois inconscientemente eu sabia que era isso que eu precisava fazer. Caminhar. E para bem longe. O violão que decidi carregar em minha viagem pesava suavemente em minhas costas, era um alento para minha jornada sem identidade. Toquei gaita por todo o caminho, o sonoro chiado me levava a pensar no lugar que abandonei, em toda a perfeição de uma realidade sem dor, morte ou guerra. O som da gaita era meu unico companheiro em um jornada infindável, atravessando um caminho que parecia não ter mais fim. E não era dos podres da humanidade que eu fugia, mas sim de um lugar pleno de virtudes. E tudo que fiz, fiz por instinto, nada mais. Depois de muito andar, cerca de quatro ou cinco dias de viagem através de mata cerrada e solo irregular, cansaço, fome e sede me engoliram como um buraco engole um viajante incauto. Eu estava perdido, não sabia para onde ir, e descobri isso tarde demais. Me senti definhando. Perecendo. Vítima de uma falha imensurável: sair do Paraiso. Ou eu era muito tolo, ou aquela misteriosa necessidade presente no meu subconsciente era muito ferrenha, isso eu nunca soube. Pelo menos não até agora. Naquele momento, desfaleci, perdi todas minhas forças. Cai e me tornei apenas um corpo fraco atirado ao chão, sujo e ferido, sem vontade ou opção. O violão caiu de minhas costas e foi atirado ao meu lado, como um velho companheiro de guerra, exausto e ferido. Ali, com a mente confusa e desesperada, me pus a me recostar em uma árvore que avistei por perto e peguei o violão em meu colo. Dedilhei, lancei alguns sons desajeitados aos céus, tentava achar o tom certo. Mais parecia um ferreiro grosseiro afiando uma espada do que um violeiro tocando uma música. Era o retrato perfeito de uma decadência desnecessária, produzida por uma vontade inconsequente e misteriosa. Eu chorei. Algumas lágrimas, primeiro esparsas e indecisas, depois incontroláveis, precipitaram-se contra o violão. Eu chorava enquanto tocava. Em desespero, fui afiando meu tocar, fui achando um tom que se adequasse ao meu estado de espírito, desesperado e carente de ajuda. Meu choro lânguido entrava em compasso com a sonoridade do violão. Um duplo lamento de música e dor. Eu havia fugido do Éden, e estava pagando um preço que poderia ser alto demais. Enquanto dedilhava e pranteava, pude ouvir alguns passos, passos aparentemente decididos. Alguem vinha em direção a mim, e eu nada via, com a cabeça baixa e o olhar focado no violão me afastando da linha de visão de quem quer que fosse. Olhei para cima, e encontrei quem havia chegado até mim. E meus olhos se encontraram com os dele. E eu senti algo que nunca havia sentido até então: medo. Uma incontrolável e apavorante sensação de pavor, mas um pavor interno, em minha alma, um pavor que em momento algum transpareceu em meu rosto ou em meus gestos. E ali, caido ao pé de uma árvore e exausto pela até então curta jornada, eu descobri que o meu verdadeiro caminho está apenas começando. Daquela pessoa que encontrei, não lembro de nada mais do que os apavorantes e indecifráveis olhos. Mas soube que era quem eu estava procurando. E agora aqui estou, filho. Você me escutou até agora. Fixou sua atenção nas minhas palavras e no violão que eu toco, teve paciência e aturou esse velho viajante. E sou muito grato a isso, você pode realmente acreditar nisso. Mas agora, precisamos partir, devemos seguir até o lugar onde um velho e cansado corpo repousa...Você tem uma jornada para fazer, e eu tenho um pagamento a fazer. Pela minha alma. Ao norte de lugar nenhum.





 Texto escrito ao som dessa música:


   "ELEPHANT MOUNTAIN- North of Nowhere"



http://www.youtube.com/watch?v=R85AyJOKNn4
   
In a little known town just north of nowhere
Lived an angry young man forced to work for nothing
It was Friday night and he just got paid
Down on his luck and he's out to get laid
Little known town just north of nowhere
Oh, let's go
Just pretty young thing with that look in her eye
Long blonde hair and nothing to hide
She's dressed to kill and looking to score
Settled for less but always wanted more
Pretty young thing with that look in her eye
Oh yeah, they were nothing but trouble, nothing but trouble, nothing but (x2)
They had no idea what the night had in store
God damn!
In a dirty dive bar just full of stories
The whiskey was flowing and the band was jumping
Drinking all night just to numb the pain
Putting cocaine up their nose they were never the same
Dirty dive bar just full of stories
Oh yeah, they were nothing but trouble, nothing but trouble, nothing but (x2)
They had to believe that the night wouldn't last
God damn!
One lost soul, one looking at time
Way after hours at the scene of the crime
Same old story they were all to blame
Something's bound to happen when your playing the game
One lost soul, one looking at time
Oh yeah, they were nothing but trouble, nothing but trouble, nothing but (x2)
In the end it was all the same

3 comentários:

  1. Pode parecer clichê o que vou falar, mas os textos que li aqui são capazes de transportar a gente pra dentro da realidade escrita neles, faz esquecer o mundo que está em volta. Eu gosto disso.

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  2. *aplausos* Nossa, extraordinario, nessas palavras jurava que eu poderia ser essa pessoa, você traz vida nelas. E isso é demais.

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  3. Claro que lembro daqui, às vezes venho ver se não tem algo novo. Que bom que vai voltar a postar.

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