quarta-feira, 24 de novembro de 2010


        "Olho através do copo durante um instante. Vejo um mundo de fragmentos, uma realidade despedaçada de tal forma que se assemelha à minha mente, partida, quebrada, um emaranhado confuso de cacos, de pequenas e distorcidas lembranças. Minha visão está turva, meus sentidos já parecem não me pertencer mais, o conteúdo que até então preenchia o recipiente de cristal agora corre em meu corpo, queimando, inciderando como brasa meu corpo fraco e cansado, exausto de tanto lutar e de cair. Eu sei, é necessário seguir em frente, mesmo que ferido.
         Tropegamente me levanto da cadeira, totalmente desprovido de qualquer orientação ou motivo, só mais um corpo morto andando, sem que o lembrem de que está morto. Um fantasma em vida, um espirito andarilho no mundo dos vivos. Quem sou? Sou esse corpo que morre em vida? Um corpo que vive apesar de morto? Quem sou? E por que? Ensaio alguns passos tortos e desmotivados em direção à porta, ainda com o copo na mão. Eu falho, perco o equilibrio, caio. Caio me escorando na mesa, batendo as costas na parede fria, me chocando contra um móvel. Um filete de suor escorre da minha testa, percorrendo o rosto, molhando meus lábios com um gosto salgado, mistura do suor e de lágrimas. Que decadência! Esse sou eu mesmo? Não penso ser possivel. Bom, no fim das contas talvez seja tudo que eu sou.
Persisto. Me apoio na mesa, levanto, persevero. Continuo meu caminho torto e ridiculo pela sala. Chuto alguns garrafas pelo caminho, que são arremessadas sem cerimônia contra a parede e se partem com estardalhaço. O barulho parece ser multiplicar milhares de vezes na minha cabeça, ecoa, toma espaço no cérebro, de modo que os pensamentos escapam, sobra apenas um grande vazio preenchendo-me a mente. Várias garrafas de vodka   barata estão pelo caminho, e continuam sendo chutadas invonlutariamente pelo meu caminhar trôpego. O caminho parece não ter mais fim. Ou talvez eu que esteja bêbado demais para ver nitidamente a porta que está bem na minha cara.
        Mesmo com tanta dificulade, consigo vencer o caminho tortuoso, alcanço a porta da sala, que leva direto ao meu escritório. Agarro a maçaneta, giro, finalmente abro a porta...

        E o que vejo me faz derrubar o copo e estacar boquiaberto.

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